top of page

Pilar Coutinho

Inovação e Startups: desafios para um sistema tributário obsoleto.


Todas as leituras indicam que Startups são marcadas pela imprevisibilidade, pela existência de uma aprendizagem, que leve a um modelo de negócio repetível e escalável, a envolver algum tipo de inovação. Construídas em modelos muito mais "líquidos" do que as estruturas empresariais tradicionais, em que a figura do empreendedor e do empregado se misturam, em que não se conhece nem muito bem o produto, tampouco, portanto, o cliente, entende-se que a startup, através de algum modo de geração de inovação, criará um bem intangível (patente, software etc) que permitirá um crescimento disruptivo que tirará suas vestes de micro e pequena empresa, até que chegue ao ponto de maturidade em que abra seu capital em bolsa de valores. Se não quebrar antes. Seus índices de mortalidades são altíssimos.


Então, em seu período inicial, a Startup tem as dificuldades típicas das micro e pequenas empresas, mas, também, lida com os desafios próprios do trabalho com a inovação, por exemplo, (i) atrair e manter o capital intelectual, diante de remuneração potencialmente inexistente ou abaixo das grandes empresas; (ii) como trabalhar com os prejuízos decorrentes da fase de investimento na inovação quanto os gastos são garantidos, mas os ganhos incertos, (iii) obtenção de investimento, a considerar a incerteza da recuperação do valor investido.


São empresas em que, pela própria estrutura, a preocupação inicial não é a ideia de lucro imediato, mas a potencialidade de criar um bem intangível de tamanho valor agregado que a sua venda, licenciamento, exploração, ou mesmo a alienação em bolsa de títulos mobiliários da sociedade, gerem um drástico enriquecimento dos envolvidos. Mas, para isso, é necessário gerar uma inovação, com vasta atratividade no mercado, em um ambiente regido pela insegurança.


Palazzi, em seu trabalho promovido pela OCDE, reconhece os desafios próprios dos definidores das políticas públicas para lidar com a inovação, diante de inevitáveis falhas de mercado e dos potenciais transformadores da inovação, além da competição global, ressalvando que o sistema tributário favorável não seria suficiente, mas importante.


Propõe ainda incentivos tributários como, por exemplo, a redução da contribuição previdenciária do empregador sobre a renda bruta do trabalho e créditos fiscais especiais para investimento baseado em volume de despesas com P&D.


O Brasil tem seu próprio pacote de benefícios tributários direcionados à inovação consolidados na Lei do Bem. A maioria deles não se adequam à realidade dos pequenos empreendimentos, em regra optantes pelo Simples Nacional. Mas também não se adequam porque a inovação em pequenos empreendimentos, tal como as startups em seus períodos iniciais, lidam não só com os desafios das MPES, mas também, com as dificuldades da própria inovação. Portugal é mais simpático às startups, como será visto em artigo posterior.


Diante dos custos da inovação e da condição de pequeno, as startups precisam atrair tanto mão-de-obra quanto investidores. Mais do que isso, para garantir que a mão-de-obra, possivelmente mal ou não remunerada, mantenha-se vinculada à sociedade, é preciso fazer a promessa da incerteza, através da possibilidade de vir a receber participação societária caso, eventualmente, o produto prometido seja bem recebido pelo mercado. Essa necessidade deu espaço para a importação dos Contratos de Vesting e de Stock Options, em que a figura de empregado e investidor se misturam, pela possibilidade de aquisição de participação social no negócio. Caberá aos aplicadores do Direito Tributário encontrar o enquadramento tributário adequado a esses regimes, superando a velha tricotomia entre investidor x empreendedor x empregado. Mas, especialmente, caberá aos formuladores da política tributária repensar um sistema crescentemente desatualizado.


Um outro grande desafio das Startups é a obtenção de investimento. Inovar é um processo de aprendizagem em que os prejuízos preponderam, novamente, diante de uma promessa. A necessidade, mãe da criatividade, levou à criação de figuras, mais ou menos controversas, para suprir as dificuldades que essas pequenas com vontade de gigantes, tem de encontrar financiamento nas instituições financeiras tradicionais. Investir em startup é um negócio arriscado. Mas, com grandes riscos, abrem-se grandes possibilidades.


A doutrina reconhece como meios para tal o mútuo conversível, a sociedade em conta de participação, os contratos de vesting e de stock options, os fundos de investimento (private equity, venture capital) e o investidor anjo. Algumas dessas figuras tem pontos bem controvertidos em termos de tributação. Por exemplo, a sociedade em conta de participação impede, conforme entendimento dominante da receita, que seu sócio esteja no Simples Nacional. E o investidor-anjo, embora tenha sido reconhecido pela lei como uma figura existente, enfrenta críticas quanto ao seu enquadramento para fins tributários pela Receita.


Na Lei do Bem, caso uma sociedade transfira importâncias às MPES destinadas à execução de pesquisa e inovação tecnológica, poderá deduzir os valores transferidos como despesa operacional. Da perspectiva da MPE, as importâncias recebidas nesse contexto não serão contabilizadas como receita, não sendo cabível, no entanto, usar os mesmos dispêndios como parcela dedutível do lucro real do IRPJ ou da base de cálculo da CSLL. Novamente, a sociedade optante pelo Simples não poderá gozar desses benefícios.


E o último e mais óbvio desafio que o sistema brasileiro impõe às startups (e à inovação que geram) é o seu enquadramento tributário. Construído com bases separadas para o consumo, dividindo industrialização, serviços e mercadorias, ainda não temos um sistema pronto a receber "materialidades" impalpáveis. A proposta em trâmite de reforma tributária se propõe a resolver esse problema com a criação de um tributo que incidiria, genericamente, sobre o consumo.


Aguardemos.


GARCIA, C. (ORG). Lei do Bem: Como alavancar a inovação com a utilização dos incentivos fiscais (Recurso Eletrônico). 2a edição ed. Belo Horizonte: inventta+bgi, 2015.

LINS, B. W. Formas de Fomento Público à Inovação e ao Empreendedorismo. In: MORETTI, E.; OLIVEIRA, L. A. G. (org) . Startups: Aspectos jurídicos relevantes. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2018.

OECD. Start-up Latin America: promoting innovation in the region. Panamá: OECD Publishing, 2013. Disponível em: <http://www.oecd.org/countries/argentina/startup-latin-america.htm>.

OIOLI, E. F.; RIBEIRO JR, J. A.; LISBOA, H. Financiamento das Startups. In: OIOLI, E. F. (org). Manual de Direito para Startups: Conheça os principais aspectos jurídicos que afetam a constituição e desenvolvimento de uma startup. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019.

PALAZZI, P. OCDE Taxation Working Papers no. 9. Taxation and innovationOECD Taxation Working Papers. Paris: OECD Publishing, 2011. Disponível em: <http://www.oecd-ilibrary.org/taxation/taxation-and-innovation_5kg3h0sf1336-en?crawler=true>.

VIEIRA, L. B. Direito para startups: manual jurídico para empreendedores. 1. ed. Natal: Queiroz, Barbosa e Bezerra Advocacia., 2017. 

bottom of page